O agro brasileiro se comunica e, de cinco anos para cá esse processo já evoluiu, mas ainda é reativo: só quando provocado
25 de novembro de 2024
Por Isadora Duarte
Esta repórter ainda não era nascida quando Chacrinha ecoava pelos microfones da televisão a célebre frase: “Quem não se comunica, se trumbica”. Mas célebre como tal, o jargão ecoava também (e ainda ressoa) nas Faculdades de Comunicação no País afora. E é, cada vez mais, contemporâneo. Desde que comecei a cobrir o agronegócio, ouço que um dos grandes desafios do setor é se comunicar melhor. Em especial, com o público externo. Consumidores desconhecem as boas práticas de produção adotadas por aqui e sequer têm ciência da presença de produtos brasileiros nos alimentos processados em seus países. Quando têm conhecimento associam indiscriminadamente o agronegócio brasileiro ao desmatamento na Amazônia.
Mas não basta apenas comunicar. Também no Bacharelado de Jornalismo aprendemos que “a comunicação somente será efetivada se o receptor decodificar a mensagem transmitida pelo emissor”. O canal de comunicação, o código e o contexto também compõem essa equação. Portanto, entender a mente desse receptor e o ambiente em que ele está inserido são requisitos sine qua non para uma boa comunicação.
Sim, o agro brasileiro se comunica. Mas ainda é reativo: só quando provocado. Ok, de cinco anos para cá esse processo já evoluiu com muito esforço empenhado dos agentes privados. No entanto, ainda na maior parte dos casos, a comunicação é uma resposta a alguma coisa. A prova disso são os dois casos recentes que geraram uma crise entre o setor produtivo brasileiro e gigantes francesas: a Danone e o Carrefour.
No caso Danone, a impressão é que um executivo falou mais do que devia. Em entrevista à agência de notícias Reuters, o diretor financeiro da empresa, Jurgen Esser, afirmou que a Danone parou de comprar soja do Brasil e agora adquire o produto de países da Ásia. A medida seria uma antecipação à lei anti desmatamento da União Europeia, que proíbe a entrada no bloco de produtos de áreas desmatadas a partir de dezembro de 2020, e que ainda não entrou em vigor. Nas entrelinhas, a sustentabilidade da soja brasileira foi questionada.
A Danone Brasil reagiu e negou qualquer suspensão de compras da soja brasileira. Foram pelo menos três notas de esclarecimento. Mas o mal estar já estava instaurado. E um boicote aos produtos da empresa era promovido nas redes sociais. Estavam em curso duas crises de imagem: a do agro nacional, que viu mais uma vez sua sustentabilidade em xeque no exterior, e a da Danone, que precisava mitigar os danos com os fornecedores e ao governo brasileiro.
A polêmica da vez é com o Carrefour. Na quarta-feira, 20, feriado nacional, o CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, afirmou em comunicado nas suas redes sociais, que a varejista se compromete a não vender carnes do Mercosul, independentemente dos “preços e quantidades de carne” que esses países possam oferecer. A carta assinada por Bompard foi endereçada ao presidente da Federação Nacional dos Sindicatos dos Operadores Agrícolas, Arnaud Rousseau, e, segundo ele, a decisão foi tomada após ouvir o “desânimo e a raiva” dos agricultores franceses, que protestam contra a proposta de acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul. Aqui também há uma falha de comunicação, e até mesmo ignorância, ao atrelar a crise dos agricultores franceses à entrada de carnes provenientes do Mercosul -volume pequeno.
O Carrefour Brasil correu para esclarecer que a medida valerá apenas para as unidades da rede varejista da França e que nada muda nas operações locais, mas o estrago já estava feito. O veto é direcionado ao Mercosul, mas todos sabem que o gigante produtor aqui é o Brasil -líder mundial na produção de carne bovina. Produtores, exportadores e indústria se manifestaram classificando a atitude como arbitrária, descabida e protecionista. Por enquanto, não surtiu resultados. O comunicado da suspensão segue lá no Instagram de Bompard. O impacto na exportação brasileira deve ser insignificante, pois a França representa neste ano 0,005% do volume embarcado de carnes pelo Brasil. Porém, os efeitos de imagem lá fora não são mensuráveis. E essa história mal começou. Outro boicote ao Carrefour e ao Atacadão é ensejado pela cadeia pecuária brasileira que ao mesmo tempo afirma que, se a carne do Mercosul não serve para abastecer o Carrefour no mercado francês, não serve para abastecer o Carrefour em nenhum outro país, sugerindo interrupção no fornecimento por aqui.
O setor se posicionou tanto no caso Danone quanto no caso Carrefour. Notas duras, firmes, do governo às entidades de classe, dos produtores à indústria. Mas não basta apenas falar, sem a mensagem ser efetivamente recebida pelo público, sobretudo o externo. Em um mundo cada vez mais protecionista e voltado aos interesses locais, a comunicação exige proatividade e empatia: é preciso, sim, se colocar no lugar do consumidor europeu para falar com ele. De ambos casos, fica uma lição em comum. Não basta apenas dizer que o agro é tech, é pop, é tudo.